terça-feira, 18 de agosto de 2009

GILSA BEZERRA: QUASE VEREADORA, POIS EM SEU CAMINHO TINHA UM HOMÔNIMO

Maria Gloria da Paz*- URFN
Professora Auxiliar da UNEB – Campus VII (Senhor do Bonfim/Bahia). Doutoranda; P.Q.I. UNEB/UFRN
Marlúcia Menezes de Paiva** - UFRN
Professor Adjunto da UFRN

O objetivo desse trabalho é pensar sobre os lugares sociais ocupados pelas mulheres do povoado de Missão do Sahy, Município de Senhor do Bonfim, Bahia a partir dos relatos da história política de Gilsa Bezerra, suplente em 1996, para a Câmara de Vereadores municipal. O tema desse estudo é parte de um campo maior de uma pesquisa em andamento que trata da História de Mulheres Remanescentes Indígenas que habitam uma extinta missão franciscana no interior da Bahia, e da qual Gilsa Bezerra faz parte.
Tomamos como fonte de estudo os relatos de Gilsa Bezerra, sobre a sua história política; e tentamos compreendê-los á luz das reflexões de Michelle Perrot (1998), sobre os lugares sociais ocupados pelas mulheres; suas frentes de lutas e resistências, além dos estudos de Rachel Soieth, que tratam sobre a maneira como as mulheres brasileiras e em especial Bertha Lutz, conquistam os seus espaços publicos. A proposta metodológica utilizada para o registro e compreensão dessas histórias, nessa pesquisa, é a história oral. O texto que se segue está dividido em três partes: a presença feminina no aldeamento, a biografia da personagem e suas narrativas e as considerações finais.
PALAVRAS - CHAVE: Missão do Sahy – lugares públicos – Gilsa Bezerra
Missão do Sahy é um Povoado que fica situado no piemonte norte da bacia do Itapicuru, a 8 km da sede do Município de Senhor do Bonfim, no estado da Bahia, Brasil. É um antigo aldeamento instalado, por volta de 1697, no território das Jacobinas
1, pelos padres franciscanos da Ordem Menor, tendo sido elevada a categoria de Vila, em 1720, e perdido o título dois anos depois para a Jacobina Nova, se localizava uma mineração de ouro.
A população do povoado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do Censo de 2000, é de 1.574 habitantes, sendo 684 do sexo masculino e 890 do sexo feminino, portanto um universo significativo de mulheres, num espaço entremeado por histórias de vida, de sonhos, de trabalhos e de conquistas, assim como, em vários momentos, de tristezas e frustrações.
A história das mulheres do povoado não difere de outras histórias de mulheres que ainda lutam pela conquista de espaços — seja em Missão do Sahy, nas grandes cidades ou na França —, e mesmo vivendo o que para muitos é a pós-modernidade, para essas mulheres os desafios a serem enfrentados permanecem tanto maiores quanto os desafios do passado e até os silêncios que envolvem as suas próprias histórias.
A comunidade de Missão de Nossa Senhora das Neves do Sahy, que é também formada por mulheres, jovens e crianças, traz em si marcas da atuação feminina nas atividades religiosas, na política e na direção de associações, embora saibamos que todas elas foram criadas para administrar o espaço reduzido de seus lares; esse comportamento vem modificado uma história que, no passado, somente colocava em destaque os personagens masculinos — na figura dos padres, dos índios, dos colonos, dos mineradores e dos vaqueiros —, lugares bem delimitados pelas atividades realizadas por eles e onde naturalmente se pensava que não caberia a figura feminina da época.
Por volta do século XIX, na Europa, as mulheres já começavam a participar ativamente da vida social e dos movimentos em busca do seu reconhecimento enquanto ser produtivo, pensante e capaz, de conquistas no campo do trabalho assalariado, na política, na arte e na literatura, dentre outros; em Missão do Sahy, no Brasil, o espaço do trabalho já era dividido entre homens e mulheres, não como status de direitos e igualdade delas, mas como extensão dos lares; mesmo porque, a cultura imperativa era a de que a mulher deveria viver subjugada ao poder aquisitivo e valorativo dos maridos, alem do domínio da memória de um tempo passado, que lhes foi transmitida nos ensinamentos práticos das mães e das avós: as prendas domésticas, o cuidado com os filhos e maridos, a administração do lar, além do trabalho nas roças: a quebra do ouricuri
2, a secagem de fumo, a secagem e moagem do café e do arroz ou a raspagem da mandioca, restando-lhe apenas como lugar público a igreja e os seus rituais (a festa de Nossa Senhora das Neves, as novenas em comemoração a outros santos, o Natal, o São João, a Semana Santa e os enterros).
As mulheres, em especial as mais velhas, exibem as mãos calejadas e marcadas pelo envelhecimento biológico e pelo duro cabo da enxada ou das facas de descascar mandioca, e ainda conservam na memória e transmitem para as mais jovens algumas práticas do passado, tais como sair à tarde ou pela manhã bem cedo com um xale ou chapéu na cabeça nas proximidades do povoado em pequenas chácaras e sítios vizinhos, para coletar alimentos, lavar roupa na beira do riacho, quebrar ouricuri, trazendo para a prática hábitos aprendidos quando criança e que ainda estão presentes na lembrança sobre o trabalho dos roçados a que foram submetidas desde tenra idade: “tinha mãe que a filha com cinco anos já estava sentadinha no chão tirando licuri, conheci muitos, os nossos não, mais outros eu conheci muita gente, botava ali de castigo pra quebrar licuri que era pra no dia de sábado comprar as coisas.” (Entrevista concedida à autora em 09/01/2008).
A sombra do poder aquisitivo dos maridos não transformou essa mulher numa alegoria, como acontecia com as mulheres casadas no século XIX na França, em que a sua imagem refletia o poder econômico do marido, como fala Perrot (1998): “... sua elegância, seu luxo e mesmo sua beleza exprimem a riqueza ou o prestígio de seus maridos ou de seus companheiros (p.15). As mulheres mais velhas de Missão não fizeram e nem fazem parte desse cenário, elas são empobrecidas, são mulheres que sofreram muito para criar os filhos, pela vida que levavam tanto no trabalho no interior de suas casas, no roçado, ao lado ou na ausência dos maridos (viuvez), o que não as isentou de passarem pelos mesmos problemas que as mulheres da cidade, em virtude de não terem acesso à palavra, e somente tendo notada a sua presença quando à frente de acontecimentos religiosos no interior da comunidade; nesse caso, a publicidade dos seus corpos não se fez através de cartazes publicitários nem de esculturas; pelo contrário, elas ainda continuam preservadas em seus espaços privados representados pela casa e pelo pequeno espaço do núcleo do povoado, já que as roças praticamente deixaram de existir.
Distante da ociosidade e do glamour da moda, a mulher de Missão do Sahy do inicio do século XX confeccionava as suas vestes à mão, longe dos espaços da moda, das costureiras e dos seus equipamentos modernos (as maquinas de costura, os esquadros, as réguas e os moldes das revistas), mesmo assim não se sentiam menos vaidosas que as burguesas retratadas pelo art nouveau do século XVIII.
(...) umas dizia assim; vamos fazer os vestidos assim, tu faz o teu desse jeito e o meu desse, a gente mesmo costurava na mão, era na mão que a gente costurava e fazia os vestidos da gente; quebrava licuri e vendia no Bonfim, aí só tinha a loja do Paulo Matos, em Bonfim, no Campo do Gado e a gente chegava lá e comprava a chitinha
3 e fazia os vestido. (Entrevista a autora em 08/01/2008))4
A trajetória das mulheres dessa comunidade, desde o período em que o território dos Sertões foi sendo povoado, vem passando por processos formativos de geração em geração, sofrendo uma evolução permanente: desconstruindo valores arcaicos, absorvendo mitos contemporâneos gerados e geridos por um novo contexto socioeconômico e cultural, vivenciado por todo o mundo na atualidade. Esses processos formativos tiveram o seu inicio no período da colonização, com a instalação das missões religiosas franciscanas, por volta de 1697, em que os padres, utilizando-se do instrumental da arte e do medo, impuseram os seus princípios religiosos e a sua cultura, levando principalmente às mulheres a crença em novos mitos gerados pela tradição cristã; a educação transmitida pela Igreja suprimiu várias manifestações culturais dos habitantes locais sob a acusação de estarem praticando paganismo.
Na visão de Paul Veyne (1984), o mito é o conhecimento que, transmitido através da informação, é aplicado ao domínio do saber — o que para nós depende da discussão ou da experimentação, mas que, para outros, depende apenas de um bom contador de histórias; e nisso a Igreja, através dos padres, tem a sua eficiência reconhecida, pois, utilizando-se da catequese, da oratória, da arte do teatro e da música, conseguiram penetrar profundamente nas raízes culturais dessa comunidade, tendo ainda hoje por testemunho a obediência e o respeito para com as coisas ditas sagradas.
Pelo rigor religioso que as mulheres dessa localidade deixam transparecer, percebe-se em seus relatos que foram impulsionadas culturalmente pelos ensinamentos transmitidos pelas mães que, por sua vez, se utilizaram dos resquícios da cultura das antepassadas que viveram durante o período histórico das catequeses, perpetuando o que em épocas anteriores era ensinado mediante a obediência às normas rígidas, recheadas por proibições e contrições, tudo perfeitamente controlado através de táticas e estratégias para a construção do bom cristão, temente a Deus e aos preceitos do cristianismo.
A desenvoltura para com os rituais da religião encontra sua gênese na fertilidade do campo religioso, com seus ritos, cânticos, crenças e devoções e o alto grau de obediência ainda hoje devotado às normas estabelecidas pela Diocese, o que, para elas, é de fundamental importância; ensinar aos mais jovens as práticas e os costumes adquiridos através das instituições e de pessoas, é, para elas, disseminar o que aprenderam com seus pais, além dos ritos religiosos, os valores, os mitos e também as práticas ligadas ao cotidiano, como a culinária, os remédios caseiros, cânticos de plantio e de colheita, rituais fúnebres, festas religiosas e os folguedos.
A inserção das mulheres de Missão do Sahy no mundo letrado não era algo tão valorizado como no contexto atual; nascidas em famílias mais voltadas para o sustento, elas eram mais estimuladas a se prepararem para o casamento e para o trabalho doméstico além dos afazeres mais voltados ao trabalho da roça; o que nem de longe se assemelhava ao perfil das mulheres francesas dos estudos de Perrot que, no recôndito dos lares, se refugiavam na literatura, saindo daí para criarem os salões de leitura e reuniões, abrigando depois os saraus de escritores, os filósofos e os artistas para a prática da conversação — inicialmente voltados para as artes, depois tomando um cunho político e ecumênico.
O século das luzes não trouxe para a mulher francesa a função de escritora nem de filósofa, mas deu-lhe a liberdade de estar informada, com capacidade para discutir qualquer assunto; deu-lhes a liberdade para criar os salões, estes espaços em potencial para os desvelamentos, além de servir como refúgios para as exiladas. Não raro estrangeiras essas mulheres tinham mais liberdade do que as outras. Exiladas, às vezes, elas se interessavam pela coisa pública (...) (Perrot, 1998. p.62)
A palavra lida e escrita, praticada solitariamente no quarto ou recantos da sala, das residências, é a arma que abre espaço para que essa nova mulher mostre-se ao mundo; pois, ao extrair-se do interior das casas, do cuidar da família, do lugar anteriormente destinado a ela por ser considerada não como cidadã, mas como pessoa dependente da ação masculina, ela encontrou na palavra o caminho lhe assegurou conquistas, sobretudo o direito ao voto e a elegibilidade.
A palavra escrita — que, para algumas mulheres, se transformou em símbolo de liberdade — para as mulheres de Missão do Sahy, teve a função de domesticação, de aprisionamento aos preceitos religiosos, o que, consequentemente, reforçou a ação masculina. A utilização da palavra escrita, que inicialmente teve a sua transmissão feita apenas pela voz da Igreja através dos textos dos breviários, trazidos e lidos nos sermões dos padres franciscanos no tempo da missão religiosa, ainda hoje faz parte dos valores culturais das mulheres dessa comunidade, seja na vivência em família, nos rituais religiosos ali realizados e até nos escritos de cântico e orações nos cadernos de benditos
5, (...) eu tenho até os livros aí guardados, eu tenho o livro que a gente reza na semana santa na igreja, eu levo o catecismo (...) (Entrevista concedida à autora em 12 /12/2007)6.
A mulher de Missão do Sahy, que refletia a imagem da mulher da zona rural (que, mesmo tendo acesso à escolarização, apenas em número reduzido conquistou um espaço de trabalho que lhe assegurasse pelo menos um salário mínimo), hoje está se modificando; já se percebe na atualidade que as mulheres estão buscando alternativas, alcançando outras funções diferentes daquelas ligadas ao trabalho doméstico e ao cultivo de subsistência, como no tempo das suas mães e avós — que receberam, enquanto filhas mais velhas, a obrigação de criar os filhos-irmãos menores; As irmãs mais velhas tinham essa tarefa, assim, de tomar conta [dos irmãos mais novos] e de passar [os ensinamentos] que a mãe passou pra elas, e aí passar pra gente não é? Elas tinham assim essa obrigação. (Entrevista à autora em 08/01/2008).
. A atuação da mulher no povoado de Missão do Sahy não esteve eminentemente ligada ao trato com as letras, e são poucas as mulheres que chegaram a obter uma formação em nível médio, feito realizado apenas pelas mais novas. Mesmo assim, elas transitam satisfatoriamente entre o gerenciamento da rudimentar economia doméstica, o trabalho na roça, até chegarem a um bom desempenho em campos tradicionalmente atribuídos à ação masculina, como o associativismo, o comércio e também a ação política no município.
Dona Gilsa: quase vereadora, não fosse um adversário plantado em seu caminho
Dona Gilsa, como é conhecida, nasceu em 22 de agosto de 1942, no povoado de Missão do Sahy, município de Senhor do Bonfim, Bahia; é a sexta filha do casal José Felipe de Souza Filho e Isaurina Xavier de Souza, casou-se aos dezesseis anos, teve dez filhos, sete do sexo feminino e três do masculino, (...) já tem 47 anos que eu sou casada, graças a Deus, depois desse tempo que eu casei com ele [olha para o esposo] as minhas coleguinhas, quase tudo se largaram dos maridos, mais eu não, to até hoje e vou até o fim, com fé em Jesus. (Entrevista concedida em 09/01/2008).
Gilsa Bezerra, é uma professora leiga
7, hoje aposentada, com uma atuação bastante significativa na comunidade; trabalhou durante muito tempo como professora alfabetizadora, contratada pela Secretaria Municipal de Educação, e, quando aconteciam situações de extrema necessidade, também agia como parteira e enfermeira. Dessa proximidade com as famílias e com os problemas do povoado e seus arredores, nasceu a sua incursão pelo mundo da política, embora não tivesse aptidão para desempenhar esse tipo de papel, como ela nos relata; (...) é a atuação política foi por vontade do povo né, e eu sempre tive vontade de ajudar, ajudei bastante,[pra política] eu não tinha muita vocação nã (...).
Filiou-se ao antigo PPB
8, ação que a transformou num elo político entre a comunidade de Missão do Sahy e o poder político do município, candidatando-se por mais de uma vez ao cargo de Vereadora — fato que, embora não tenha logrando êxito no pleito, constituiu-se num grande feito em meio ao conservadorismo da política local contra uma candidatura feminina.
O inicio do século XX no Brasil foi um momento de eclosão de lutas e movimentos pelos direitos feministas, dentre eles o direito à elegibilidade e ao voto, o que conduziu as mulheres à criação de estratégias com o intuito de reverter a legislação referente à participação feminina no espaço político brasileiro. A chegada de Bertha Lutz, ao Brasil, por volta de 1918, é mais um estímulo para as lutas pela concretização da presença feminina no cenário político brasileiro, o que já havia tomado corpo com os protestos de Nízia Floresta em 1830, a entrada de Myrthes de Campos na OAB, e os movimentos decorrentes da negação do alistamento eleitoral da professora Leolinda Daltro, que a partir desse episodio organizou várias frentes de lutas pelo direito ao voto,
(...) fundando em 1910 O Partido republicano feminino, a fim de fazer ressurgir no Congresso o debate sobre o voto feminino. Em novembro de 1917 organizou uma passeata com 84 mulheres, surpreendendo a população do Rio, o que pode ter contribuído para que no mesmo ano o Deputado Maurício de Lacerda apresentasse a Câmara um projeto de lei estabelecendo o sufrágio feminino, [mas] que nem chegou a ser discutido. (SOIHET, 2000.p.99)
Certamente, várias mudanças ocorreram até as décadas de 50 a 90 desse século e contribuíram para uma reformulação do discurso que consolidava o lar como o único lugar de atuação da mulher; e na busca por espaços e pelo fortalecimento das conquistas, as mulheres têm criado táticas, às vezes sutis, que lhes permitem avançar em busca de direitos que vão desde assumir cargos assalariados até o exercício de cargos eletivos. A mulher no Brasil, assim como a européia e outras, desvencilharam-se da idéia do existir somente para o cuidado com a família e se colocaram à disposição para atuar em outros campos, como a política, a enfermagem, a assistência social, o comercio, dentre outras atividades.
Para Gilsa Bezerra, esse também foi o momento de compartilhar, ocupando um espaço público feminino ocioso, com sua participação política na comunidade onde reside. Em depoimento, ela imputa a sua candidatura à vontade popular e à sua atuação comunitária
(...) a atuação política foi por vontade do povo não é, e eu sempre tive vontade de ajudar, ajudei bastante, eu não tinha muita vocação não, mais depois fui criando, tomando gosto e todo mundo no Bonfim me conhece, é por Salvador, é tudo me conhece, graças a Deus. (Entrevista concedida em 09/01/2008)
Em Missão do Sahy, nos meados do século XX, Dona Gilsa de Souza Bezerra, usufruindo de um direito conquistado, concorreu pela primeira vez, em 1996, ao cargo eletivo para a Câmara de Vereadores Municipal, conseguindo 380 votos, ficando como suplente de Vereador. Ao se referir a esse episódio, sua voz traduz um pouco de tristeza, apontando que a causa para sua derrota política deveu-se a uma estratégia muito utilizada pelos políticos na região, a qual consiste em impor um candidato adversário no suposto domínio político do candidato “natural” daquela localidade, com a finalidade de desviar para si determinada quantidade de votos, inviabilizando assim a eleição do outro.
(...) consegui 380, [naquela época eram quantos?] era 400, eu ainda ganhei 380 mais foi roubo, porque tinha um rapaz chamado Gilso, ele não era bem conhecido e nem nada, entrou na política naqueles dias e teve muito voto, todo mundo diz que ali foi os votos que eles pegaram: Gilsa e Gilso... [faz uma pausa] era pra eu ter ganho de passar, mais é assim mesmo, aí eu fiquei desgostosa e não fui mais nunca pro lado de lá (...). (Entrevista concedida em 09/01/2008)
Verossímil ou não, esse relato nos dá a medida do que se apresenta como resistência ao acesso das mulheres no espaço de poder político do Brasil, aqui refletida nessa tática grotesca, num pequeno povoado ainda sem o domínio completo do letramento e, portanto, suscetível de ardilosas ações da velha política coronelista, desenvolvida pelas oligarquias no interior do Nordeste brasileiro.
O poder é um dos espaços que mais resistência oferece e tem oferecido à mudança e a inclusão de mulheres, sendo o mundo da tomada de decisões e do poder político um âmbito de acesso particularmente difícil para que as mulheres nele possam participar.
Devido às frentes de lutas e à insistente marcha que as mulheres vêm ao logo do tempo imprimindo em favor da conquista de direitos, muito já se tem conseguido avançar nesse espaço; e
Desde que as mulheres obtiveram o direito ao voto que se mantém aceso o debate sobre a função da mulher na política. Em comparação com o que sucedia 100 anos atrás, a mentalidade geral relativamente á integração da mulher nessa atividade revela-se bastante mais positiva e, actualmente, poucas pessoas continuam a pensar que as mulheres não têm nada que fazer nessa área
9 (p.19).
Felizmente, alguma coisa começa a mudar; é certo que é uma evolução ainda muito lenta, principalmente para a maioria das cidades do interior da Bahia, onde o pensamento machista domina tanto o espaço político quanto a maioria dos partidos, onde consta a participação das mulheres apenas como estatística e enquanto filiação e, nesse contexto, muito poucas como candidatas em potencial aos cargos eletivos. Nessas cidades, quando as mulheres se colocam como pretendentes aos cargos eletivos, ainda sofrem preconceitos e quando raramente são eleitas, tem como sustentação o poder financeiro e político masculino, razão pela qual permanecem atreladas e sem muito poder de decisão.
Em que pese à decisão de Dona Gilsa em abandonar o meio político, no relato em que narra o encontro com o juiz da Vara Eleitoral, no momento da sua convocação para receber o diploma a que fazia jus como suplente de vereadora, deixa transparecer uma pequena luz de esperança,
(...) apois, recebi uma intimação do juiz, que eu devia me comparecer, que queria conversar comigo, aí eu fui, chegou lá ele disse: que eu era uma heroína, que eu não desistisse, que um daí eu ia, que ele mesmo tava sabendo que aquilo ali, não tava certo, ele disse a mim, e sua diploma ta aí, a sua diploma de suplente. (Entrevista concedida em 09/01/2008)
A esperança, simbolizada pela palavra heroína, certamente é a força que manteve aceso o desejo impulsionador das lutas de Nízia Floresta, Leolinda Daltro, Myrthes de Campos, Bertha Lutz e Gilsa Bezerra – esta, candidata por mais duas eleições — que, em virtude de acreditarem nessa possibilidade, investiram no sonho de poder participar da construção do mundo em pé de igualdade de direitos com os homens, seus parceiros de humanidade.
Com a história oral, uma pausa nas reflexões
Ao tentar compreender a construção de um fragmento de cidadania da mulher através dos relatos de Gilsa Bezerra, fizemos da história oral o veículo que nos conduziu a uma aproximação maior com a sua história, o que nos permitiu uma participação mais intensa na externalização de sentimentos, que permaneceram guardados até o momento em que se tornou possível ouvi-los, e transformá-los em documento escrito.
Essas informações orais, embora pouco valorizadas, nos permitiram adentrar em estreitos lugares e deles extrair determinadas situações na vida de pessoas desconhecidas do publico e que trazem, a depender das informações encontradas, significativas contribuições para o conhecimento de costumes de indivíduos e dos espaços por eles habitados.
Não poderíamos deixar também de trazer, para esse texto, algumas considerações sobre a importância da realização desse tipo de estudo, pois a produção de conhecimento nessa área é mais uma singela contribuição para os estudos referentes à mulher e à sua atuação nos lugares sociais, especialmente aqueles cujo acesso anteriormente lhes foi negado; e tomar a história oral como aporte é uma tarefa significativa, pois, pela condição social dessas mulheres moradoras de pequenos vilarejos em sua maioria pobre e de hábitos de vida simples, de certa maneira é tornar claro que elementos culturais — como algumas lutas e práticas sociais por direitos universais, muito próximas das vivências de mulheres que habitam o país em grandes centros urbanos — também estão disseminadas em pequenas localidades e entre mulheres de hábitos e vida simples. Nesse sentido, a luz trazida pelos estudos de Shoiet (2000) sobre a pedagogia da conquista dos espaços públicos pelas mulheres, enfocando a trajetória de Bertha Lutz, foi também para nós um elemento encorajador que nos incentivou a contarmos um pouco da história de Gilsa Bezerra, suplente de Vereadora em Missão do Sahy, no Município de Senhor do Bonfim, Bahia.
BIBLIOGRAFIA
PAZ; Maria Gloria da. Missão do Sahy: educação e cultura, In: Educação na Bahia Coletânea de textos. Salvador: Ed. UNEB, 2001.
PERROT, Michelle. Mulheres Públicas. São paulo: Editora UNESP, 1988,
SOIHET, Raquel. A pedagogia da conquista do espaço público pelas mulheres e a militancia feminista de Bertha lutz. 2000.
VEYNE, Paul. Acreditavam os gregos em seus mitos. São Paulo. Editora Brasiliense(1984)
A Mulher na Política Local. Rumo à plena cidadania da mulher: documento etapa 2004, Barcelona. 2004
FONTES ELETRONICAS
http://www.suapesquisa.com/partidos/ (acessado em 25 de abril de 2008)
http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=92 (Acessado em 29/04/2008)
http://www.religiosidadepopular.uaivip.com.br/benditos.htm (Acessado em 01/05/2008)
FONTES ORAIS
ADALGISA ALVES DO NASCIMENTO: moradora deo povoado de Missão do Sahy, Municipio de Senhor do Bonfim, Bahia. Entrevista concedida em 2008
GILSA de SOUZA BEZERRA: moradora do Povoado de Missão do Sahy, Municipio de Senhor do Bonfim, Bahia. Entrevista concedida em 2008
TEREZINHA AQUINO da SILVA: moradora do Povoado de Missão do Sahy, Município de Senhor do Bonfim, Bahia. Entrevista concedida em 2008
* Professora Auxiliar da UNEB – Campus VII (Senhor do Bonfim). Pesquisador do Grupo de Pesquisa MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO NA BAHIA da UNEB. Mestre em Educação em Pesquisa pela Unversité du Quebéc au Chicoutimi – Canadá. P.Q.I. UNEB/UFRN. E-mail: gogodapaz@yahoo.com.br
** Professor Adjunto da UFRN– Pós-Doutorado. Universidade. Federal do Rio de Janeiro/ Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, UFRJ/EHESS, França.. Endereço eletrônico marlup@ufrnet.br
1 As Jacobinas eram um território situado entre Montes Altos e a Cachoeira de Paulo Afonso e entre os rios São Francisco e das Contas. Dividido por duas grandes regiões com os nomes de Jacobina Nova e Jacobina Velha (Freitas, 2001:84).
2 RAMALHO, Cícera Izabel. LICURI (Syagrus coronata), O licuri (Syagrus coronata) (Martius) Beccari, pertence à família Arecaceae, subfamília Arecoideae, tribo Cocoeae, subtribo Butineae (Noblick, 1991) (...)é uma planta reconhecida na composição da caatinga. Mede de 8 m a 11 m, tendo folhas com mais ou menos 3 m de comprimento, pinadas de pecíolo longo com bainha invaginante, e seus folíolos, de coloração verde-escura, estão arranjados em vários planos (LORENZI, 1992) (Figura 2A). Seu estipe é recoberto pela base das bainhas das folhas mais velhas, arranjadas numa seqüência de espiral, que caem após certo período de tempo, deixando cicatrizes que formam um desenho muito atrativo (Figura 2B). A palmeira é monóica, apresentando inflorescência interfoliar, muito ramificada, protegida por uma bráctea.
3 CHITA: Um tipo e tecido de pouco valor, bastante colorido e com estampas floridas.
4 Entrevista concedida por Adalgisa Alves do Nescimento , em sua residência no Povoado de Missão do Sahy, Bahia, no dia em 08/01/2008.

5 No seu “Dicionário Musical” frei Pedro Sinzig OFM define os benditos simplesmente como cantos sacros populares. O saudoso professor Luís da Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro, elabora um pouco mais esta definição: "Os benditos são cantos religiosos com que são acompanhadas as procissões e, outrora as visitas do Santíssimo. Denomina o gênero o uso da palavra "bendito", iniciando o canto uníssono." O folclorista Rossini Tavares de Lima no seu ABECÊ DO FOLCLORE, explica ainda que o bendito é uma oração cantada cujos versos fazem menção à expressão "Bendito louvado seja" ou apenas à palavra "Bendito"(...)

http://www.religiosidadepopular.uaivip.com.br/benditos.htm (Acessado em 01/05/2008)
6 Entrevista concedia por Terezinha Aquino da Silva a autora em 08/01/2008, em sua residencia no povoado de Missão do Sahy.
7 Professores Leigos: Termo que se refere aos professores sem qualificação pedagógica. A existência de professores leigos é comum em países do terceiro mundo, nas áreas mais pobres e, principalmente, na zona rural. No Brasil, a existência de professores leigos é mais comum nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde muitos deles estudaram apenas até a 4ª série e a maior parte não terminou o ensino fundamental (antigo 1º grau). Em 1999, cerca de 30%, dos 456 mil professores de ensino fundamental no Norte, Nordeste e Centro-Oeste não tinham habilitação para lecionar. Ainda, de acordo com dados do MEC, do universo de professores leigos existentes no País, na mesma época, cerca de 110 mil não haviam concluído sequer o ensino fundamental.

http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=92 (Acessado em 29/04/2008)
8.PP- Partido Progressista (ex-PPB) Criado em 1995 da fusão do PPR (Partido Progressista Reformador) com o PP e PRP. Tem como base políticos do antigo PDS, que surgiu a partir da antiga ARENA. O PPB defende idéias amplamente baseadas no capitalismo e na economia de mercado. Seus principais representantes são o ex-governador e ex-prefeito Paulo Maluf de São Paulo e o senador Esperidião Amin de Santa Catarina.
http://www.suapesquisa.com/partidos/ (acessado em 25 de abril de 2008)
9 A Mulher na Política Local. Rumo à plena cidadania da mulher: documento etapa 2004, Barcelona. 2004

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